Blog da Saúde

Depoimento

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postado em 1 de dezembro de 2011

Ary Oliveira Filho

Muita coisa mudou desde que a Aids foi descoberta, em 1980. De lá para cá, novos medicamentos ajudam o paciente a ter uma vida normal, sem crises e sofrimentos. Tal evolução contribuiu também para melhoria da qualidade de vida junto à sociedade.

Toda essa evolução foi recorrente a muita informação e luta de familiares e portadores do vírus durante anos.

Ary de Oliveira Filho, professor titular da UFMG, perdeu seu irmão decorrente à doença. É ele quem conta para gente como foi ter um familiar com Aids quando a doença ainda era cheia de mitos:

Meu irmão, Leandro de Oliveira, faleceu na madrugada do dia 22 de fevereiro de 1991, aos 27 anos de idade, em decorrência de processos infecciosos associados à AIDS.

Na época a doença era considerada intratável e fatal no curto prazo. E também denunciava supostas condutas sexuais ou sociais que colocavam o indivíduo, e seus familiares, em um lugar de menor valor em relação ao estabelecido pela cultura dominante como “normal”.

Leandro me ligou um dia, em 1989, preocupado com infecções persistentes. Logo suspeitei do que se tratava. Na verdade, fiquei como único portador da suspeita, já que ele negava a possibilidade de ser HIV positivo.

Depois do diagnóstico, toda família ficou ao seu lado até o fim. Cada um do seu jeito, mas nenhum de nós deu uma identidade falsa para a AIDS, nem para a orientação sexual de nosso irmão.

Afirmamos a verdade para nós mesmos e para o público, mas respeitamos a negação que meu irmão adotara até o dia em que ele mesmo se sentiu forte o bastante para abandonar essa defesa.

Depois disso, ele enfrentou seus últimos dias com uma serenidade impressionante e participou ativamente dos grupos voluntários de apoio aos portadores da doença e aos seus familiares.

Há 20 anos, os tempos eram muito mais difíceis para os soropositivos, então chamados de “aidéticos”. Eles se tornaram um forte elemento representante de um dos maiores flagelos que a humanidade se impõe há milênios: a exclusão do diferente.

Leandro Baptista de Oliveira, irmão de Ary

Em uma das recaídas de meu irmão, buscamos ajuda em um hospital que recusou nos atender, dizendo que nenhum paciente daria entrada no hospital caso a cidade soubesse que meu irmão tinha sido internado ou tratado ali, ainda que em caráter de emergência.

Se a AIDS nos trouxe algo de bom, e se aqueles que ela torturou e levou nos deixaram algum legado, foi aquele de provocar movimentos positivos em uma cultura dominantemente tirânica, letárgica e hipócrita.

Passados 20 anos, constato mudanças inegáveis de postura em relação ao natural da diversidade da orientação sexual humana, ao natural do viver e morrer e ao natural do estar doente ou sadio.

O inerentemente humano destas realidades naturais prevalece cada dia mais forte e desperta nossa compaixão ao perceber que compartilhamos a mesma fragilidade e o mesmo destino.

Os hospitais recebem os soropositivos, tratam os mesmos com dignidade, sem julgamento e a AIDS não é mais o estigma que foi e, muito menos uma sentença de morte.

Sinto que meu irmão não esteja aqui para vivenciar esta realidade que ele e milhões de outros ajudaram a mudar para melhor.

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